Equivoco ou verdade?

  Desde os meus dez anos de idade quando ganhei meu primeiro computador,
descobri o quanto eu gostava de criar. Estava aprendendo a criar textos
no computador, a usar dosvox, um programa feito para o uso de pessoas
com deficiência visual e foi a partir desse momento que eu descobri a
minha maior paixão.
  Mais tarde, descobri uma outra paixão. A paixão de fazer montagens.
mas, o que seria montagens? Para nós, deficientes visuais, quando se
fala em montagens não é uma montagem de fotos, vídeos ou algo do tipo. é
montagens envolvendo áudios. Efeitos sonoros, falas misturadas com
trilhas, e com isso é possível produzir uma espécie de radionovelas.
  Graças a deus, foi nos dada a oportunidade de começar dentro do próprio
dosvox a mexer com edições de áudio. Peguei as poucas vozes sintéticas
que eu tinha e fiz uma montagem chamada: Avast, o defensor. Eu fiz essa
montagem depois de sofrer uma maldade terrível de alguém que me mandou
um vírus que removeu completamente o windows do meu computador. Fiz essa
montagem quando eu tinha apenas quinze anos, no intuito de alertar o
povo das maldades que qualquer um pode sofrer do mundo virtual.
  depois dessa montagem, eu nunca mais parei. Comecei a explorar mais
esse mundo, convertia os textos com as vozes e montava diálogos, e a
partir daí eu fui percebendo o quanto me era prazeroso, apesar do
trabalho que dava.
  Minhas montagens duravam uns cinco minutos. Depois 20, que é o caso de
uma montagem minha chamada Vingativa. Depois veio a montagem Bem vindos
à casa do mal, que tinha quase quarenta minutos de duração, uma montagem
de terror. e depois veio a minha primeira história dividida em vinte
capítulos chamada O agiota, todas elas feitas com vozes sintéticas.
  Compartilhei meu trabalho e fiquei muito feliz em ver o retorno que
isso teve. Muitos comentários, muitos elogios, coisa que nem eu
esperava. Agora, com vinte anos, estou produzindo outra novelinha em
áudio chamada Amor à prova. Amor à prova é uma novelinha de ação que já
passa dos vinte capítulos e que eu compartilho nos grupos todas as
sextas e sábados, e essa está sendo mais uma história que está dando
muitos comentários bons, o que me deixa muito feliz e com vontade de
continuar. Para mim, não há prazer maior do que quando eu estou dentro
do meu quarto editando essas montagens, ouvindo os efeitos, ouvindo as
trilhas e imaginando as cenas já prontas, e já imaginando os possíveis
comentários de meus amigos. Mas tudo isso me faz nascer uma outra
vontade! Será que é possível um deficiente visual trabalhar com edição
de áudio?
  Outra coisa que me faz refletir bastante é que esses trabalhos que eu
faço só tem reconhecimento de pessoas com deficiência visual como eu,
porque infelizmente, os videntes, pelo menos em sua esmagadora maioria
não costumam valorizar coisas que possuem somente o áudio, sem nada
visual que possa lhes orientar, e perdem a oportunidade de apreciarem o
talento das pessoas que criam, montam seus trabalhos seja com as vozes
sintéticas ou com as vozes humanas. Sim, porque existem muitas
comunidades de deficientes visuais que produzem excelentes trabalhos
cujos personagens de suas respectivas tramas, às vozes sintéticas são substituídas por vozes
humanas, dando a oportunidade àquelas pessoas que gostam de atuar, a
esbanjar o seu talento, mas que infelizmente será reconhecido somente por
outras comunidades de deficientes visuais. Seria muito interessante se
pessoas sem qualquer problema ocular, com uma visão perfeita parasse um
pouco para observar o nosso trabalho, seja ele individual ou grupal,
como é o caso dos grupos que se juntam só pra produzir uma montagem.
Seria um meio deles saberem como é o nosso mundo, de depender de um
áudio muito bem descrito para que o conteúdo exibido seja melhor
compreendido.
  Pais videntes que tem um filho ou filha com deficiência visual, com
certeza não entendem o que tanto o filho faz no computador e o que tanto
ele conversa com os amigos na internet. Porque ele parece evitar o
contato com pessoas de sua faixa etária para ficar no computador? Por
que ele se isola do mundo? daí você pergunta pra ele o que ele tá
fazendo e ele mostra uma montagem que ele produziu. Os pais videntes
provavelmente vão dizer que isso é muita falta do que fazer, por que vão
dizer isso? porque não sabem o quão gostoso é, para uma pessoa cega,
parar na frente do computador e montar um curta ou um longa metragem do
jeitinho que ele gostaria que um programa, um filme ou novela passasse
na TV, bem descrita.
  Daí, esse deficiente visual vai se isolando e produzindo para ele
mesmo, porque aquilo lhe dar prazer. Ele tenta mostrar seu trabalho pra
um primo aqui, um tio ali, mas ele sente que a pessoa não tá dando a
devida atenção que aquele trabalho merece, porque logo a pessoa arruma
um motivo pra dizer: Depois eu termino de ouvir, ok? E esse depois não
chega nunca.
  Daí a pessoa se isola e na internet encontra pessoas como ela, que
também são DVS e que muita das vezes vivem na mesma situação. E é a
partir daí que se formam os grupos no whatsapp pra fazer montagens e pra
falar de montagens. Formam os grupos onde se pode compartilhar
montagens. E é nesses grupos que esse indivíduo encontra seu porto
seguro, encontra a oportunidade de mostrar seu trabalho e ter seu
talento reconhecido. E é por isso que seu filho cego (a), fica no
celular o dia inteiro e dificilmente procura interagir com outras
pessoas. mesmo sabendo que aquilo não lhe dará retorno, mas ele gosta de
mostrar seu trabalho. E é a partir daí que eu penso que seria muito
legal se as pessoas cegas tivessem a oportunidade de trabalhar com essa
área cinematográfica, mexendo com mixagem de trilhas em filme,
sonoplastias, em fim. Se é possível, eu não sei. Mas com certeza, se
pessoas videntes parassem um pouco para ouvir as coisas que a gente
produz, com certeza isso poderia chegar em alguém que entendesse do caso
e pudesse, talvez, abrir portas nessa área para nós.
  Mas eu não sei. Pode ser que em alguma parte do mundo exista algum DV
que trabalhe dentro do cinema. Pode ser que em alguma parte do planeta
exista alguma alma DV que entenda dessa área e colocou em prática todos
os seus dotes de editor de áudio. E pode ter muitas pessoas que passam
pela mesma situação que eu passo com relação às montagens. Pode ser que
muitos discordem de tudo que eu disse, outros podem concordar mais ou
menos, e outros podem concordar plenamente. Vale ressaltar que tudo isso
que eu disse é opinião minha, que eu acredito que muitos deficientes
visuais devem passar por isso. Eu apenas sinto vontade de expressar o
que sinto e o que acho, quem sabe não existe algum DV que passa por isso
e não entende o porque dele ser assim, isoladinho com seu PC e seu
celular androide?
  claro que pais tem sempre que tomar cuidado com o que seus filhos
andam fazendo na internet quando se trata de menores de idade, mas se
ele for DV, pergunte a ele, e se ele estiver fazendo uma montagem, não
critique. não diga que é falta do que fazer, aprecie. Aprecie e diga a
ele algo que eu queria muito ouvir:

Você precisa investir nisso, você poderá se tornar um grande
sonoplasta. Ajude-o. Compreenda-o. Se fizeres isso, verás como que as
coisas podem ser diferentes.

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