conquistando a independência

  Andar só parecia ser uma tarefa impossível. Ninguém imagina que uma
pessoa com deficiência visual possa andar sozinho, mas sim, ela pode.
  demora, mas aos poucos a gente vai ganhando a independência. Para mim,
por exemplo, a hora de andar só chegou aos 19 anos, ou seja, chegou neste
ano de 2016.
  Tudo aconteceu com um dia em que houve um imprevisto e eu fui
liberada cedo do colégio. Eu tinha duas opções. Ou eu esperava de uma
hora da tarde até as três e meia, a hora que a minha mãe chegaria no
colégio para me buscar ou até mais de três e meia, ou eu iria embora
sozinha. Advinha o que foi que eu escolhi! Ir embora sozinha.
  então eu saí do colégio com uma funcionária de lá que me ajudou a
atravessar a rua. Claro, era a primeira vez, eu também não iria
conseguir chegar até o sinal talvez, não é mesmo? Pedi a ela que me
colocasse dentro do ônibus, mas para o meu medo, ela me colocou em uma
vã. Claro que, na hora, eu achei que seria uma boa eu ir de vã, seria
mais fácil para eu pedir ao moço que me deixasse no meu ponto. Porém,
quando as portas da vã se fecharam, eu senti muito medo. Tinham muitos
homens naquela vã e eu fiquei super amedrontada. Sentada ao lado do
motorista e o outro rapaz em pé do meu lado berrando a cada parada em
busca de passageiros, eu estava apavorada! Imaginem só, eu, sem
enxergar, se deparar em uma vã com um monte de homens dentro! Só tente
você, se imaginando sem enxergar numa situação dessas, sendo mulher, é
claro! Você fica apavorada! Se para quem tem a visão, a desconfiança de
tudo e todos já surge, meu querido, minha querida, quando não se tem, a
desconfiança dobra, até triplica se for necessário. Kkkkk.
  Mas, como Deus é maravilhoso, permitiu que eu chegasse ao meu destino.
O carinha foi super atencioso ao me ajudar a descer da vã, fiquei no
ponto certinho. Daí, vinha outro desafio, pegar o segundo ônibus. Mas,
não demorou muito e apareceu uma pessoa para me ajudar e parou o ônibus
para mim. Ela até pegou o ônibus comigo e avisou ao motorista onde eu ia
descer, já que ele abriu a porta de trás para eu entrar, né?
  Bem, não me lembro como foi que cheguei em casa nesse dia, mas eu
fiquei tão feliz! A única coisa que eu me lembro até hoje foi que,
quando eu pisei em casa, eu só conseguia pensar em uma coisa: "Eu quero
que isso se repita por muito mais vezes..."
  Falei com a minha mãe que eu queria isso, eu precisava conquistar um
pouco de independência. Claro que, como toda mãe, ela não gostou muito
da ideia, kkkkk, e acho que não gosta até hoje! Mas ela sabe que depois
que cresce, o filho vira passarinho e quer voar, rsrs, como diz a
música.
  lembro-me que era uma quinta-feira, na segunda, o trato foi feito, e
ainda no caminho da escola, ela perguntou:

- Filha, é isso mesmo que você quer? ainda é tempo de você decidir e
eu venho te buscar.

Eu estava com medo, não posso negar. Porém, eu reprimi o medo e disse
que sim, era o que eu queria. Reprimi ao máximo porque se ela soubesse
do meu medo, ela iria me buscar. Então aconteceu. a partir daquele dia,
eu passei a dar meus próprios passos só, eu e a bengala, kkkk. Tive medo
de sair na escola, fiquei com aquela sensação ruim o dia todo de que eu
iria embora só, e ainda imaginando um monte de atrocidades que poderiam
acontecer comigo na rua. Mas, quando eu botei o pé pra fora da escola eu
pensei, é, agora eu tenho que ir, e o medo o vento levou quando eu saí
na rua.

Claro, o medo é normal, mas se toda vez que ele vier e a gente se render
a ele, nós nunca seremos o que somos, pensem nisso.

É só pegar a bengalinha, focar na independência e ir, porque perigoso é
para qualquer um, não é porque somos cegos que devemos ficar nos
reprimindo usando aquele velho argumento, ah, é perigoso! Sim, é
perigoso, é perigoso pra você, pra mim, pra quem anda ao seu lado nas
ruas, pra sua mãe, para o seu pai, é perigoso estar até mesmo dentro de
casa, então, se reprimir pra quê?
  Mas é claro que, tudo tem o seu tempo, né? Eu, particularmente acho
que é a partir dos dezoito anos que pais de deficientes visuais devem
deixar os filhos provar o gostinho da independência. Pelo menos com
dezoito o indivíduo está de maior, e se caso acontecer alguma coisa com
ele na rua, a polícia, os bombeiros ou sei lá o que for não vai poder se
utilizar de argumentos como: ah, ele(a) é cega, e ainda menor de idade
você deixando andar sozinho, você é um irresponsável(a)! Imagine, que
transtorno!
  Agora, com 18 anos, acontece algo com seu filho(a) na rua, os caras vão
vim com argumentos assim: Ah, mas ele(a) é cego(a), e você larga andando
na rua? Daí você vira e diz: Ele já é maior de idade e tem o direito de
ir e vir como qualquer outra pessoa. Aconteceu com ele o que poderia ter
acontecido comigo, com você, com qualquer um de nós. E é assim que segue
a vida.

Espero ter te ajudado!

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